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Nicolau Saião, Mariana 6

 

UMA PRECE PELA MINHA FILHA

 

(W. B. Yeats)

 

Desaba a tempestade outra vez; escondida

Sob os mantos e os véus do berço, adormecida,

Minha filha. Nenhuma outra barreira existe,

Senão a mata espessa e uma colina triste,

Contra o vento que vem do Atlântico potente,

Abatendo o celeiro e os tetos, quando solto;

E há uma hora já que rezo e vou e volto,

Pois é grande a apreensão em minha mente.


Há uma hora já que estou a rezar, indo e vindo,

E a ouvir a ventania ao longe produzindo

Contra a torre ou na ponte o seu forte assobio,

Ou sobre os olmos, na distância, além do rio.

Num devaneio inquieto, eu fico a imaginar

Que o futuro chegou e agora vem, surgido –

A dançar num frenético alarido –

Da inocência mortífera do mar.

 

Que ela tenha beleza, e entanto que não seja

A ponto de causar o alheio espanto e a inveja,

Ou o seu próprio perante o espelho, pois todo esse

Que a beleza cumula e dota se envaidece,

E a toma por um fim em si mesma ou um bem,

Perdendo a natural bondade e muita vez

Toda a espontaneidade e singelez

Que escolhe certo – e vive sem ninguém.

 

Helena, a eleita, por estar aborrecida

Foi ao lado de um tolo estragar sua vida,

Enquanto a outra imortal Rainha, que nasceu

Do imenso mar, sem pai, por homem elegeu

Um feioso artesão coxo e de pernas tortas.

Belas mulheres vão às vezes misturar

Uma salada louca ao seu manjar

Tão logo a Cornucópia esteja à porta.


Na cortesia é que eu a pretendera exímia;

Os corações não são prendas: mas pela estima

Vence-os quem não é tão bonito; e quem bancou

O bobo e da beleza em si se enamorou,

Tornou-o sábio a graça interior; mais de um crente

Que, pobre, pelo mundo andou perambulando,

Amando muito e amado se julgando,

A bondade o conquista certamente.

 

Que ela uma árvore seja a florir escondida,

E seja o seu pensar uma ave agradecida,

Ocupada somente em exercer o dom

De espargir ao redor um magnânimo som,

E alegremente saia em busca do alimento

E, mesmo querelando, o faça alegremente.

Oh, seja como o verde louro, assente

Num perpétuo lugar do sentimento.

 

Minha mente, devido às mentes que eu amei,

Ao tipo de beleza em que me deleitei,

Bem pouco prosperou, secou, e agora sabe

Que sufocar em ódio é coisa que não cabe,

Que de tudo o que é mau é sempre o mal maior.

Se não deixarmos o ódio entrar em nossa mente,

Por mais que o vento se levante e tente,

Não cai da folha o pássaro cantor.

 

De todos o pior é o ódio intelectual;

Então que ela aborreça opiniões. Afinal

Não vi também mulher, entre todas amável

Que no mundo deitou o Corno inesgotável,

Pela simples razão de um cérebro opinioso

trocar aquele chifre e os bens que ele contém,

Como os de índole humilde sabem bem,

Por velho fole e vento furioso?

 

Considerando assim, toda ira dominada,

Sua inocência tem a alma reconquistada

E aprende que a inocência em si se delicia,

Em si se apazigua, e a si se policia,

E que ela quer somente aquilo que o Céu quis;

Ela pode – por mais que o outro franza o cenho,

Por mais que o vento muja e faça empenho

E cada fole sopre – ser feliz.

 

E então para uma casa a leve o seu esposo,

Para um viver regrado e cerimonioso,

Pois soberba e rancor são más mercadorias

Que se podem comprar nos becos e nas vias.

Senão na cerimônia e no costume, como

Pode haver inocência e florescer a graça?

Cerimônia, eis o nome dessa taça,

E o verde louro chama-se costume.

 

 

(Tradução de Renato Suttana – para minha filha Marina – abril/2006)

 

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